terça-feira, 9 de setembro de 2014

Paixão fone de ouvido

Paixão fone de ouvido



Neste ano comprei três fones de ouvidos. Todos duraram em média dois meses, no máximo. 
Percebendo isso, assimilei às paixões que vêm, servem para alguma coisa e depois se transformam em laços avulsos que cabem a nós jogar fora, ou nos enforcar.

Engraçado como esses fones de ouvidos baratos atendem as nossas vontades assim que adquiridos. Ficamos deslumbrados com a união de beleza, funcionalidade, facilidade e preço. Achamos ser um presente divino ou extraterrestre. Nisso, pensamos: “dessa vez é pra ser”. – damos um suspiro e começamos a acreditar no amor à (primeira) vista.

 Ficamos com medo de perder ou estragar esse “presente”, dando a ele um valor ignorantemente inquestionável. Esse fone de ouvido significa a sorte, o raro, o impossível. Tudo que sempre queríamos, agora em nossas mãos, e ainda sussurrando tudo que queremos ouvir. – como não apaixonar?

Como o tempo é o árbitro de qualquer coisa nessa vida (e nas outras), a relação com o fone de ouvido, tornou-se um pouco rotineira. Mas, ainda sentimos sua importância, mesmo com alguns zumbidos que ele provoca de repente, ainda contamos com sua presença indispensável em nosso dia-a-dia.

Um pouco mais de tempo passa, e o fone de ouvido começa a querer ditar as regras, escolhendo qual lado quer ficar (tocar). – esquerdo ou direito. Nisso, aquele nosso deslumbre torna-se medo. Medo de termos nos enganado mais uma vez, ao acreditarmos que um fone de ouvido (barato), duraria para sempre.

Começamos então a cogitar hipóteses de investir em algo mais original (verdadeiro) e menos compulsivo (impulsivo). Mas, ainda estamos presos à petulância e decepção do fone de ouvido, que funciona só do lado que quer. Afinal, queremos acreditar que ele pode voltar a ser o que era antes, e até nos surpreender de novo. – o velho efeito da dopamina em nós.

Até que um dia, o fone de ouvido escolhe não funcionar conosco, decide não estar do nosso lado - nem esquerdo, nem direito. Então, simplesmente acaba, morre e nunca mais toca. Tentamos reanimar sua função e nossos sentimentos, pois ainda precisamos dele, ou pelo menos acreditamos nisso.

A questão é que demos e damos valor demais a coisas que pior que substituíveis, são até descartáveis. Assim acontece com fones de ouvido baratos, assim acontece com algumas paixões que insistimos em querer transformá-las em amor.

A conveniência de estarmos juntos àquilo que julgamos necessitar, nos encarcera num ciclo vicioso de decepções.  A cada nova experiência, cremos estar felizes, enquanto sequer estamos satisfeitos. Parece até que tentamos provar a nós mesmos o quão tolos conseguimos ser!

Se não conseguimos juntar uma quantia de dinheiro suficiente e comprar um fone de ouvido que preste, quando seremos maduros o bastante para investirmos numa relação que valha a pena?  Quando iremos lembrar que a impulsividade é compulsiva, e que essa compulsão só acaba em decepção?

Temos que saber quando e com que/quem gastar nosso dinheiro e tempo. Quero um fone de ouvido que dure e toque dos dois lados. Quero alguém que não só esteja, mas fique comigo, e também me toque. – em todas as partes e vertentes.

Não basta isso ou aquilo ser apenas útil, na verdade, precisamos de muito mais que isso para sermos felizes e satisfeitos. Por isso, eu já pedi licença a essas “paixões fone de ouvido”. Paixões essas, que nos encantam por pouco tempo, e acabam dando prejuízo. Pra mim, chega de sentimentos baratos! E para você?


Nenhum comentário: