Paixão fone de ouvido
Percebendo isso, assimilei às paixões que vêm, servem para alguma coisa e
depois se transformam em laços avulsos que cabem a nós jogar fora, ou nos
enforcar.
Engraçado como esses fones de ouvidos baratos atendem as
nossas vontades assim que adquiridos. Ficamos deslumbrados com a união de
beleza, funcionalidade, facilidade e preço. Achamos ser um presente divino ou
extraterrestre. Nisso, pensamos: “dessa vez é pra ser”. – damos um suspiro e
começamos a acreditar no amor à (primeira) vista.
Ficamos com medo
de perder ou estragar esse “presente”, dando a ele um valor ignorantemente inquestionável.
Esse fone de ouvido significa a sorte, o raro, o impossível. Tudo que sempre
queríamos, agora em nossas mãos, e ainda sussurrando tudo que queremos ouvir. –
como não apaixonar?
Como o tempo é o árbitro de qualquer coisa nessa vida (e
nas outras), a relação com o fone de ouvido, tornou-se um pouco rotineira. Mas,
ainda sentimos sua importância, mesmo com alguns zumbidos que ele provoca de
repente, ainda contamos com sua presença indispensável em nosso dia-a-dia.
Um pouco mais de tempo passa, e o fone de ouvido começa a
querer ditar as regras, escolhendo qual lado quer ficar (tocar). – esquerdo ou
direito. Nisso, aquele nosso deslumbre torna-se medo. Medo de termos nos enganado
mais uma vez, ao acreditarmos que um fone de ouvido (barato), duraria para
sempre.
Começamos então a cogitar hipóteses de investir em algo
mais original (verdadeiro) e menos compulsivo (impulsivo). Mas, ainda estamos
presos à petulância e decepção do fone de ouvido, que funciona só do lado que
quer. Afinal, queremos acreditar que ele pode voltar a ser o que era antes, e até
nos surpreender de novo. – o velho efeito da dopamina em nós.
Até que um dia, o fone de ouvido escolhe não funcionar
conosco, decide não estar do nosso lado - nem esquerdo, nem direito. Então,
simplesmente acaba, morre e nunca mais toca. Tentamos reanimar sua função e
nossos sentimentos, pois ainda precisamos dele, ou pelo menos acreditamos
nisso.
A questão é que demos e damos valor demais a coisas que
pior que substituíveis, são até descartáveis. Assim acontece com fones de
ouvido baratos, assim acontece com algumas paixões que insistimos em querer
transformá-las em amor.
A conveniência de estarmos juntos àquilo que julgamos
necessitar, nos encarcera num ciclo vicioso de decepções. A cada nova experiência, cremos estar felizes,
enquanto sequer estamos satisfeitos. Parece até que tentamos provar a nós
mesmos o quão tolos conseguimos ser!
Se não conseguimos juntar uma quantia de dinheiro
suficiente e comprar um fone de ouvido que preste, quando seremos maduros o
bastante para investirmos numa relação que valha a pena? Quando iremos lembrar que a impulsividade é
compulsiva, e que essa compulsão só acaba em decepção?
Temos que saber quando e com que/quem gastar nosso
dinheiro e tempo. Quero um fone de ouvido que dure e toque dos dois lados. Quero
alguém que não só esteja, mas fique comigo, e também me toque. – em todas as
partes e vertentes.
Não basta isso ou aquilo ser apenas útil, na verdade,
precisamos de muito mais que isso para sermos felizes e satisfeitos. Por isso,
eu já pedi licença a essas “paixões fone de ouvido”. Paixões essas, que nos
encantam por pouco tempo, e acabam dando prejuízo. Pra mim, chega de
sentimentos baratos! E para você?
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